quarta-feira, 15 de abril de 2009

Curta

Para ler ouvindo Hollywood Theme Song, do Megapuss.




(Cliché de terror. A primeira cena tem que dar o tom do filme.)


CENA 1 - Externa

É noite. Lua cheia. Cortes sucessivos de várias tomadas da cidade. Por fim, vemos a fachada de um consultório odontológico com um painel backlight. Nele se lê: Consultório Odontológico 24h. Dr. Diógenes Almeida Menezes. Dr. Valério Peres Menezes. Dra. Margareth Almeida Peres. Alguns números.

CENA 2 - Interna - Sala de espera do consultório

Corte para interior do consultório. Sala de espera com TV ligada. A dentista está sozinha, entediada. Romântica, solteira. Assiste TV.

Dentista (pensamento em off):"Ninguém aparece. Muito menos um príncipe encantado. Príncipes encantados não têm dores de dente durante a noite. Já que ninguém vai aparecer mesmo, vou pedir minha pizza favorita: alho."


(Pensamento em off? Jamais. Que ideia horrível. É preciso mostrar o que o personagem pensa. Não dizer. Não posso subestimar o espectador. Melhor cortar direto para a pizza. A pizza inteira remete à lua cheia. Isso funciona no cinema. Preciso pensar em mais signos circulares para as próximas cenas.)


CENA 2 - Interna - Sala de espera do consultórioCorte para a pizza inteira. Câmera zenital. Amarela, do queijo, com grandes pedaços de alho. A dentista se serve e come sozinha, entediada. Come vendo TV, assistindo a algum filme romântico. Cena de beijo na tela. Em preto e branco. Subitamente, o som do interfone sendo tocado.

Dentista (gritando):"Está aberta!"

CENA 3 - Externa - Porta do consultório

Corte para a frente do consultório. Um homem de cabelos brancos, vestido à moda antiga (pesquisar visual adequado). Pálido, abatido, com medo. Não sabe se deve entrar ou não. Põe a mão na bochecha esquerda. Tem dor de dente. Toca novamente o interfone.

CENA 4 - Interna - Sala de espera do consultório

Corte de volta para o interior. A dentista se surpreende. Ela pára de comer e vai escovar os dentes. Não há pasta.

Dentista (pensamento em off):"Só aqui mesmo."


(Não! Ela não pode pensar! Tenho que mostrar. Mostrar, mostrar, mostrar.)


CENA 4 - Interna - Sala de espera do e lavabo do consultório

Corte de volta para o interior. A dentista se surpreende. Ela pára de comer e vai escovar os dentes. Não há pasta. O tubo de pasta de dente está no fim, vazio. Tomada da boca redonda do tubo vazio. A dentista procura em uma gaveta e não encontra nada. O interfone toca novamente e ela, com pressa, veste a máscara cirúrgica que estava pendurada no pescoço para disfarçar o hálito do alho.


(Tomara que essa cena não leve mais de alguns segundos na tela, em jump-cut.)


CENA 5 - Externa - Porta do consultórioCorte para a porta do consultório. Ela abre a porta para o senhor entrar.

Dentista:"Estava aberta."

CENA 6 - Interna - Sala de espera do consultório

Ele está incomodado. Na recepção há um crucifixo, que ele percebe.

Dentista:"Boa noite. O que o senhor tem?"

Antes que ela termine a frase, o homem já saiu da sala de espera e foi para a de consulta.

CENA 7 - Interna - Sala de consulta

O senhor se senta na cadeira de atendimento antes mesmo de a dentista mandar.

Senhor:"Dor de dente. Muito forte. Há muitas noites."

Dentista:"Abra bem a boca."

Corte para a lâmpada redonda acoplada à cadeira de dentista sendo acesa. Corte para o homem, que cobre os olhos com as mãos e grita de dor. É sensível a luz.

Senhor:"Desligue isso, por favor. Minha vista..."

Dentista:"Senhor, preciso deixá-la acesa para olhar o que se passa na sua boca. O senhor pode fechar os olhos se quiser. É só a boca que precisa ficar aberta."

O senhor tateia em algum bolso e encontra óculos escuros. Coloca-os.

Senhor:"Prefiro ficar com os olhos abertos também."

Dentista:"Como queira."


("Como queira"? Será que alguém diz isso mesmo? Não seria "Como quiser"? Na dúvida, é melhor tentar outra coisa.)


Dentista:"O senhor é quem sabe."

Com a luz acesa, ela tenta jatear a boca do senhor com água para lavá-la. Ele fecha a boca e desvia do jato, que bate na cadeira.

Dentista:"O que foi agora?"

Senhor:"O que é isso?"

Dentista:"Água, ué."

Senhor:"Só água?"

Dentista:"Como assim?"

Senhor:"Água normal?"

Dentista:"Claro."

Senhor:"OK. Vamos logo com isso."

(Ele não diz isso de forma antipática. Está realmente preocupado com a dor, mas parece o tempo todo preocupado com algo a mais. Avisar o ator para ser paranóico.)


A dentista rapidamente analisa o interior da boca do senhor e dá seu diagnóstico.

Dentista:"É cárie."

Senhor:"Cárie?"

Dentista:"Sim."

Senhor:"Não é possível, não como doce há séculos."

Dentista:"E, pelo visto, também não escova os dentes há séculos, né?"

O senhor faz cara de desagrado. Breve silêncio para a plateia rir da piada.

Dentista:"Vou ter que obturar."

Senhor:"Mas eu preciso dos meus dentes!"

Dentista:"Não disse que vou arrancar os dentes. Só vou arrumar os dentes, vou passar um material para cobrir a área danificada. Um amálgama."

Senhor:"Amálgama?"

(Acho que já foram dadas pistas suficientes: lua cheia, alho, crucifixo, medo de passar pela porta, medo de água a água ser benta, sensibilidade a luz, preocupação com os dentes. Se eu deixar mais explícito que isso, vou estar tratando o público como idiota. Até agora, só não viu quem não quis. É o momento da revelação.)

Enquanto a dentista prepara a operação, o senhor fica observando seu pescoço. É apetitoso. A jugular está saltada. Ele lambe os beiços.

Senhor (pensamento em off):
Poderia atacá-la agora, mas me doem os dentes... não me alimento de sangue jovem há tanto tempo.

(Droga, outra vez o pensamento em off.)


Enquanto a dentista prepara a operação, o senhor fica observando seu pescoço. É apetitoso. A jugular está saltada... ele lambe os beiços. Suas presas crescem.


(E se não houver verba para efeitos especiais? Faço uma sequência de cortes? Primeiro a boca dele, depois o pescoço dela, depois a boca com os dentes já grandes? Não... assim, vai ficar muito mal feito. Vai parecer Chaves. Acho que a visão do pescoço dela é suficiente para o público saber que ele é um vampiro.)


Enquanto a dentista prepara a operação, o senhor fica observando seu pescoço. É apetitoso. A jugular está saltada... ele lambe os beiços. Close nos olhos dele e no pescoço dela. Ele põe a mão na boca, seus dentes dóem.

("Dóem" ou "doem"? Ortografia nova é uma merda. Pelo menos o publico não vai ter que ler. "Doem" deve ser do verbo doar. Que eles doem.)


O vampiro cobre a boca com as mãos porque sente dor. Geme.

Vampiro:"É prata?"

(Pesquisar se o amálgama contém prata. Aliás, pesquisar se vampiros são realmente vulneráveis a prata. Ou serão só os lobisomens? Em Blade eles são. E Blade é ruim. Hollywood. Acontece. Melhor cortar essa pergunta sobre a prata. O comentário dela sobre o amálgama também.)


Então o vampiro somente geme de dor e ela inicia a operação. Som de broca.
CENA 8 - Interna - Sala de espera do consultório

Corte para a recepção. A dentista conduz o vampiro até lá.

Dentista:"Cuide melhor dos seus dentes. Tem que escovar, passar o fio dental."

Inadvertidamente, ela retira a máscara enquanto fala. O hálito de alho o ataca. O vampiro grita de dor, suas presas crescem (resolver a questão de como fazer isso). Ele fica acuado, chorando, pedindo misericórdia.

Vampiro:"Piedade! Não lhe fiz mal!"

A dentista, ao ver as presas, grita de medo, fica correndo ao redor da sala. Cena cômica: os dois têm medo, um do outro. Após um momento, ficam em silêncio, cada um em seu canto.

Vampiro:"Penha piedade, ponha de volta a máscara."

Dentista (gritando):"Mas o senhor é um monstro, vai me matar, me possuir."

Vampiro:"Não, moça. Por favor."

Dentista (chorando):"O senhor é um vampiro, um drácula..."

Vampiro:"Sim! Mas sou velho e medroso... por favor, tenha piedade, não vou lhe fazer mal, sou-lhe grato... eternamente grato."

Mais um segundinho para a piada.

(Isto está ficando muito bom.)

Dentista:"Promete não me fazer nada?"

Vampiro:"Sim."

Dentista:"Jura por Deus?"

Dentista:"Isso eu não posso fazer... mas juro."

Outro segundo.

(Está genial esse roteiro. Muito engraçado mesmo. Já vejo os prêmios.)


A dentista toma coragem. Põe a máscara de volta e ajuda o vampiro a se levantar e a sair do consultório. Nem se dá conta de que ele não pagou pelo serviço. O relógio redondo, na parede, marca meia-noite. Som de badalo.

(E agora? Fim seco? Só se eu dirigir à moda francesa. Mas não... está bom demais. Eu preciso continuar. É preciso fazer uma trilogia. Uma trilogia com o vampiro? Vampiro no açougue? No estádio? Não... o personagem principal é a dentista, ela é o elo humano com o público. É com ela que as pessoas se identificam. A mocinha romântica, solitária, trabalhadora, sonhadora... quem sabe no próximo episódio eu coloque um lobisomem? Não, muito óbvio. Um alienígena? Já terei verba com o sucesso do primeiro. Alienígena... mula sem cabeça? Não, ela não tem dentes. Preciso pensar grande. Darth Vader? Hmm... Preciso pensar melhor. Sem dúvida, no último, o lobo mau vestido de vovozinha, louco pra comer a dentista. Então vem o príncipe salvá-la num cavalo branco, e ela pode ser feliz para sempre. E a última cena é o sol. Genial!)

Nenhum comentário:

Postar um comentário